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É possível o pagamento de adicional de insalubridade e/ou periculosidade a servidor público municipa


Presente tema tem sido objeto de apontamento de irregularidade por parte dos Tribunais de Contas, considerando o fato de que determinado “cargo” ocupado pelo servidor não estaria relacionado no Laudo Técnico que ampara o pagamento do adicional.

Data vênia, nosso entendimento é de que a questão deve ser analisada por outros aspectos, como se passa a seguir.

I. DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

O adicional de insalubridade vem previsto na Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XXIII, que assim dispõe:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

Sua concessão abrange a todo trabalhador, rural ou urbano, que exerce atividade considerada insalubre, em percentuais específicos conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, regulamentado pela Portaria nº 3.214/ 78, do Ministério do Trabalho e Emprego, mais especificamente na Norma Regulamentar nº 15.

A Constituição previa, antes do advento da Emenda Constitucional nº 19/98, a concessão do adicional de insalubridade aos servidores públicos no revogado art. 39, § 2º. Referida Emenda contudo, ao disciplinar os direitos sociais dos servidores públicos, no art. 39 § 3º, deixou de inserir no dispositivo os adicionais sobre a remuneração e incumbiu a União, Estados, Municípios e Distrito Federal a regulamentação desse direito.

Conclui-se que os adicionais de insalubridade e periculosidade previstos na Carta Federal não são auto-aplicáveis aos servidores públicos cujo regime jurídico de vinculação seja o estatutário.

Com a instauração desse cenário, muitos municípios brasileiros têm sido alvo de inúmeras ações judiciais movidas por servidores públicos que exercem atividades insalubres, mas que não recebem do ente federado o acréscimo remuneratório em virtude da inexistência de lei que regulamente o pagamento do referido adicional. A ausência de autorização em Lei Municipal corresponde à expressa vedação de concessão dos referidos adicionais, in verbis:

“Pelo Princípio da Legalidade a Administração Pública, diversamente da área privada, fica integralmente submetida à norma legal. Não possui ela o mesmo grau de liberdade da ação que os administrados, os quais podem tudo fazer desde que não exista vedação legal. Tanto a Administração Pública quanto seus agentes estão sujeitos, em toda sua atividade, aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal só pode ser feita se autorizada por lei, e ainda assim, quando e como autorizada. Se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo situações excepcionais. É um campo de ação bem menor que o do particular. (BESTER, Gisele Maria. Cadernos de Direito Constitucional. Ed. Síntese).”

Traz-se à colação comento de Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Elementos de Direito Administrativo, 1ª ed., Ed. RT, SP, 1986, p. 231:

“Como é sabido, o liame que vincula a Administração à lei é mais estrito que o travado entre a lei e o comportamento dos particulares. Com efeito, enquanto na atividade privada pode-se fazer tudo o que não é proibido, na atividade administrativa só se pode fazer o que é permitido. Em outras palavras, não basta a simples relação de não-contradição, posto que, demais disso, exige-se ainda uma relação de subsunção. Vale dizer, para a legitimidade de um ato administrativo é insuficiente o fato de não ser ofensivo à lei. Cumpre que seja praticado com embasamento em alguma norma permissiva que lhe sirva de supedâneo”. (grifamos)

Na prática, os Tribunais Brasileiros elencam dois requisitos fundamentais e cumulativos para a concessão do adicional de insalubridade e/ou periculosidade:

(i) previsão legislativa que autorize o pagamento; e (ii) laudo pericial que comprove o exercício da atividade em condições insalubres ou periculosas.

Esse posicionamento, segundo maciça jurisprudência, está lastreado no Princípio da Legalidade, que vincula o administrador a praticar somente os atos autorizados em lei e, no caso em questão (pagamento de adicional de insalubridade a servidor público), condiciona também a existência de Laudo Técnico Pericial, como abaixo se constata:

RECURSO INOMINADO. PRIMEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. CONTRATO TEMPORÁRIO. REGIME ESTATUTÁRIO. PRORROGAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AUSÊNCIA DE LEI LOCAL. 1) (...) 5) Os atos da Administração Pública devem estar albergados na lei, em observância ao princípio constitucional da legalidade (art. 5°, inciso II, da CF/1988), vetor de toda atuação do Poder Público (art. 37, caput, da CF/1988). Com efeito, a inexistência de lei local que discipline referido direito social, em suas pormenoridades, como incidência, adicional, grau e extensão, não há como o Poder Judiciário se imiscuir nessa quantificação. 6) Diante da ausência de legislação municipal específica acerca do pagamento de adicional de insalubridade a seus servidores, a improcedência do respectivo pedido é impositiva, nos termos da r. sentença. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO (Recurso Cível Nº 71005148267, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 26/05/2015). (g.n.)

RECURSO INOMINADO. MUNICÍPIO DE GLORINHA. SERVIDOR PÚBLICO. AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE EM GRAU MÁXIMO. LEGISLAÇÃO LOCAL PERMISSIVA, MAS CONDICIONADA A LAUDO TÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Trata-se de ação ordinária em que e parte autora pretende a condenação do réu ao pagamento de adicional de insalubridade, desde seu ingresso na Municipalidade, a contar de 21/02/2011, sob o fundamento de que exerce suas atividades laborais em condições insalubres, julgada improcedente na origem. 2. Sentença de improcedência mantida por seus próprios fundamentos, nos moldes do artigo 46, última figura, da Lei nº 9.099/95. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Inominado Nº 71005982699, Primeira Turma Recursal da Fazenda Pública do RS, Relator: Volnei dos Santos Coelho, Julgado em 29/11/2016). (g.n.)

Portanto, ainda que seja realizado laudo pericial comprovando que o servidor está trabalhando em atividade insalubre, o mesmo não terá direito ao recebimento do adicional de insalubridade se Lei Municipal não disciplinar a matéria, por força do Princípio da Legalidade.

II. DO PAGAMENTO DOS ADICIONAIS PELO MUNICÍPIO

Como o próprio nome diz, insalubre é algo não salubre, doentio, que pode causar doenças ao trabalhador por conta de sua atividade laboral.

A insalubridade é definida pela legislação em função do tempo de exposição ao agente nocivo, levando em conta ainda o tipo de atividade desenvolvida pelo trabalhador no curso de sua jornada de trabalho, observados os limites de tolerância, as taxas de metabolismo e respectivos tempos de exposição.

Por sua vez, são periculosas as atividades ou operações onde a natureza ou os seus métodos de trabalhos configurem um contato com substancias inflamáveis ou explosivos, em condição de risco acentuada, como é o caso, por exemplo, de frentista de posto de combustível, operador em distribuidora de gás, entre outros.

Enquanto o adicional de insalubridade visa compensar o trabalhador pelos danos causados à sua saúde pelo contato paulatino com os respectivos agentes agressivos, o adicional de periculosidade destina-se à compensação pelo risco iminente à vida do trabalhador que se encontra em um ambiente com agente perigoso.


Ao contrário do que muitos orientam, a percepção desses adicionais não está vinculada à função ou cargo que o servidor público ocupa, mas sim ao ambiente de trabalho onde desenvolve suas atividades.

O apontamento de irregularidade pelos órgãos de fiscalização considerando o simples fato de que determinado “cargo” não está relacionado no Laudo Técnico que ampara o pagamento do adicional, sem analisar as condições do ambiente de trabalho do servidor, é equivocado.

Isso porque, como dito alhures, a percepção dos adicionais, depois de verificada a existência de previsão municipal em lei, deverá ser balizado de acordo com o Laudo Técnico existente – periodicamente revisado – e que deve não só observar o cargo e as atividades (médico, enfermeiro, operário, servente, etc...), mas especialmente os locais de desenvolvimento das atividades (hospital, posto de saúde, centro administrativo, escola municipal, etc...).

A investidura em cargo público, aparentemente relacionado como atividade insalubre/periculosa no laudo técnico confeccionado (ex. médico e servente), nem sempre representará direito à percepção do adicional, devendo se verificar as “atividades” desenvolvidas e o “local” onde o servidor, de fato, as exerce.

O cargo de Enfermeiro no município, por exemplo, em rápida análise, está diretamente relacionado à percepção de adicional de insalubridade, pois o desempenho de suas atividades, em princípio, se dá junto às instalações de saúde e em contato direto com pacientes (hospital, posto de saúde, etc...).

No entanto, caso o servidor efetivo concursado para o cargo de Enfermeiro exerça atividades fora de um ambiente insalubre, por exemplo, num cargo administrativo de Diretor da Secretaria da Saúde (FG), cessará sua exposição nociva e, consequentemente, não fará mais jus ao recebimento do adicional.

No entanto, se o mesmo servidor Enfermeiro investido na Função Gratificada (FG) ou Cargo em Comissão (CC) e seu local de trabalho permanecer no ambiente hospitalar (hospital, posto de saúde, etc...), continuará a perceber o adicional respectivo, pois continua exposto a agentes insalubres.

O fato de exercer atividades diferentes daquelas descritas nas atribuições de seu cargo de provimento efetivo (ex. Enfermeiro), por ocasião da FG ou do CC que lhe foi designado (ex. Diretor de Secretaria), não altera sua condição de exposição ao agente insalubre, se permanecer exercendo suas novas atribuições no ambiente insalubre.

O mesmo raciocínio se ajusta àquele servidor investido em cargo público administrativo (ex. auxiliar administrativo) que, em princípio, não percebe adicional de insalubridade, mas poderá fazer jus à percepção, caso seja deslocado para exercer atividades em um ambiente exposto a agentes nocivos.

Assim, o tema não é novo na doutrina do direito público. A Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União, já se manifestou em ocasiões semelhantes ao questionamento do Município, tendo emitido o PARECER nº 173/2011/DHMS/CONSU/PGF/AGU (fls. 39/44), nos seguintes termos:

[...] 16. Assim, os discutidos adicionais somente poderão ser afastados no caso de servidores que ocupem chefia ou direção, com atribuição de comando administrativo e que, por conta dessa atividade, não mais estão expostos aos agentes nocivos, perigosos ou insalubres. 17. Caso permaneça a exposição, as vantagens do artigo 61, incisos I e IV deverão ser cumulativamente. [...] 20. Considerando o princípio da legalidade que cinge a Administração Pública, não são admitidas quaisquer limitações ou restrições a direitos senão aquelas indicadas em lei. Com efeito, de acordo com a legislação vigente, a retribuição pelo exercício de cargo em comissão ou função gratificada poderá ser cumulada aos adicionais de insalubridade e periculosidade, exceto nas hipóteses em que cesse a exposição ao agente nocivo.

E o Parecer segue citando outro emitido pela Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, qual seja, o PARECER Nº 0457-3.10/2013/ACS/CONJUR-MP/CGU/AGU (fls. 61/68), nos seguintes termos:

[...] 14. Questão “a”: Considerando o disposto no art. 19, § 1º, da Lei nº 8.112, de 1990, e a Norma Regulamentadora nº 15, aprovada pela Portaria nº MTb nº 3.214, de 08 de junho de 1978, o servidor ocupante de cargo em comissão ou função de confiança poderá perceber os adicionais de insalubridade e de periculosidade? 15. Resposta: O fato do servidor ser ocupante de cargo em função de confiança não inviabiliza o recebimento de adicional de insalubridade ou periculosidade. 16. Não obstante, como se trata de função de chefia ou direção, a qual em tese não expõe o servidor a agentes nocivos habitualmente, não é possível manter o pagamento do adicional anteriormente recebido sem a devida comprovação da continuidade da exposição. [...] 18. Assim, esta CONJUR/MP entende que é possível a continuidade do recebimento do adicional de insalubridade por servidor investido em cargo de chefia/direção, desde que haja a devida comprovação da exposição habitual a agentes nocivos, nos moldes do inciso IV do artigo 11 da Orientação Normativa nº 6, de 18 de março de 2013, da Secretaria de Gestão Pública deste Ministério.

Dessa forma, considerando o disposto na Nota Técnica nº 87/2013/CGNOR/DENOP/SEGEP/MP, de 13 de abril de 2013, fls. 51/59, bem como os termos do Parecer supra, verifica-se a possibilidade de percepção dos adicionais de insalubridade oupericulosidade por servidor ocupante de função de direção ou chefia, desde que haja o respaldo de laudo técnico individual que comprove a sua exposição a atividades insalubres ou perigosas, de acordo com o previsto no art. 11, inciso IV, da Orientação Normativa SEGEP/MP nº 6, de 2013.

Significa dizer que somente farão jus aos adicionais de insalubridade ou periculosidade os servidores ocupantes de função de direção ou chefia, que efetivamente comprovarem a exposição habitual ou permanente a agentes nocivos à saúde, por meio de laudo técnico elaborado com base nos limites de tolerância mensurados nos termos das Normas Regulamentadoras nº 15 e nº 16, aprovadas pela Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 3.214, de 08 de junho de 1978. (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Secretaria de Gestão Pública. Departamento de Normas e Procedimentos Judiciais de Pessoal. Coordenação-Geral de Elaboração, Orientação e Consolidação das Normas. NOTA INFORMATIVA Nº 273/2013/CGNOR/DENOP/SEGEP/MP. Brasília, 10 de junho de 2013).

Conclui-se que o fator preponderante para o pagamento do adicional de insalubridade e/ou periculosidade, não é o título do cargo, mas as atribuições e, especialmente, o ambiente no qual o servidor desempenhará suas atividades.

Em relação ao pagamento para servidores nomeados para Função Gratificada ou Cargo em Comissão, verifica-se a possibilidade de pagamento dos adicionais, desde que haja o respaldo de laudo técnico individual que comprove a sua exposição a atividades insalubres ou perigosas e o período desta.

Já com relação à previsão em Lei Municipal, há necessidade de que essa seja clara ao referir que os adicionais serão deferidos desde que esteja comprovado por Laudo Técnico a exposição do servidor a atividades insalubres ou perigosas em seu ambiente de trabalho.

Esta consultoria permanece à disposição.

Tânia Miroslaw Grigorieff OAB/RS 32.823



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